FUVEST – Quarentena https://quarentena.org Curta sua casa: Indicamos produtos e serviços pagos e gratuitos pra que você aproveite melhor sua casa. :) Mon, 24 Aug 2020 00:35:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.6.1 https://quarentena.org/wp-content/uploads/2020/04/cropped-logo2_quarentena_512x512px-1-32x32.png FUVEST – Quarentena https://quarentena.org 32 32 “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis https://quarentena.org/indicacoes/memorias-postumas-de-bras-cubas-machado-de-assis-penguin/ https://quarentena.org/indicacoes/memorias-postumas-de-bras-cubas-machado-de-assis-penguin/#respond Tue, 14 Apr 2020 07:33:46 +0000 https://quarentena.org/?post_type=product&p=5235 Memórias póstumas de Brás Cubas é um clássico de Machado de Assis, com o apuro editorial da coleção Penguin-Companhia.]]>

Apresentação de Memórias Póstumas de Brás Cubas escrito por Machado de Assis

Em 1881, Machado de Assis lançou aquele que seria um divisor de águas não só em sua obra, mas na literatura brasileira: Memórias póstumas de Brás Cubas. Ao mesmo tempo em que marca a fase mais madura do autor, o livro é considerado a transição do romantismo para o realismo.

Num primeiro momento, a prosa fragmentária e livre de Memórias póstumas de Brás Cubas, misturando elegância e abuso, refinamento e humor negro, causou estranheza, inclusive entre a crítica. Com o tempo, no entanto, o defunto autor que dedica sua obra ao verme que primeiro roeu as frias carnes de seu cadáver tornou-se um dos personagens mais populares da nossa literatura. Sua história, uma celebração do nada que foi sua vida, foi transformada em filmes, peças e HQs, e teve incontáveis edições no Brasil e no mundo, conquistando admiradores que vão de Susan Sontag a Woody Allen.

Esta edição de Memórias póstumas de Brás Cubas reproduz o prólogo do próprio autor à terceira edição do livro, em que ele responde às dúvidas dos primeiros leitores. Traz ainda prefácio de Hélio de Seixas Guimarães, professor livre-docente na USP e pesquisador do CNPq, e estabelecimento de texto e notas de Marta de Senna, cocriadora e editora da revista eletrônica Machado de Assis em Linha, e Marcelo Diego, pesquisador da obra de Machado na Universidade Princeton.

A editora disponibiliza um trecho como degustação em pdf, mas você também pode lê-lo logo abaixo.

 

Índice / Sumário do livro Memórias póstumas de Brás Cubas

Prefácio — por Hélio de Seixas Guimarães

Nota sobre o texto

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

Dedicatória
Prólogo
Ao leitor
i. Óbito do autor
ii. O emplasto
iii. Genealogia
iv. A ideia fixa
v. Em que aparece a orelha de uma senhora
vi. Chimène, qui l’eût dit? Rodrigue, qui l’eût cru?
vii. O delírio
viii. Razão contra sandice
ix. Transição
x. Naquele dia
xi. O menino é pai do homem
xii. Um episódio de 1814
xiii. Um salto
xiv. O primeiro beijo
xv. Marcela
xvi. Uma reflexão imoral
xvii. Do trapézio e outras cousas
xviii. Visão do corredor
xix. A bordo
xx. Bacharelo‑me
xxi. O almocreve
xxii. Volta ao Rio
xxiii. Triste, mas curto
xxiv. Curto, mas alegre
xxv. Na Tijuca
xxvi. O autor hesita
xxvii. Virgília?
xxviii. Contanto que…
xxix. A visita
xxx. A flor da moita
xxxi. A borboleta preta
xxxii. Coxa de nascença
xxxiii. Bem‑aventurados os que não descem
xxxiv. A uma alma sensível
xxxv. O caminho de Damasco
xxxvi. A propósito de botas
xxxvii. Enfim!
xxxviii. A quarta edição
xxxix. O vizinho
xl. Na sege
xli. A alucinação
xlii. Que escapou a Aristóteles
xliii. Marquesa, porque eu serei marquês
xliv. Um Cubas!
xlv. Notas
xlvi. A herança
xlvii. O recluso
xlviii. Um primo de Virgília
xlix. A ponta do nariz
l. Virgília casada
li. É minha!
lii. O embrulho misterioso
liii. …….
liv. A pêndula
lv. O velho diálogo de Adão e Eva
lvi. O momento oportuno
lvii. Destino
lviii. Confidência
lix. Um encontro
lx. O abraço
lxi. Um projeto
lxii. O travesseiro
lxiii. Fujamos!
lxiv. A transação
lxv. Olheiros e escutas
lxvi. As pernas
lxvii. A casinha
lxviii. O vergalho
lxix. Um grão de sandice
lxx. D. Plácida
lxxi. O senão do livro
lxxii. O bibliômano
lxxiii. O luncheon
lxxiv. História de D. Plácida
lxxv. Comigo
lxxvi. O estrume
lxxvii. Entrevista
lxxviii. A presidência
lxxix. Compromisso
lxxx. De secretário
lxxxi. A reconciliação
lxxxii. Questão de botânica
lxxxiii. 13
lxxxiv. O conflito
lxxxv. O cimo da montanha
lxxxvi. O mistério
lxxxvii. Geologia
lxxxviii. O enfermo
lxxxix. In extremis
xc. O velho colóquio de Adão e Caim
xci. Uma carta extraordinária
xcii. Um homem extraordinário
xciii. O jantar
xciv. A causa secreta
xcv. Flores de antanho
xcvi. A carta anônima
xcvii. Entre a boca e a testa
xcviii. Suprimido
xcix. Na plateia
c. O caso provável
ci. A revolução dálmata
cii. De repouso
ciii. Distração
civ. Era ele!
cv. Equivalência das janelas
cvi. Jogo perigoso
cvii. Bilhete
cviii. Que se não entende
cix. O filósofo
cx. 31
cxi. O muro
cxii. A opinião
cxiii. A solda
cxiv. Fim de um diálogo
cxv. O almoço
cxvi. Filosofia das folhas velhas
cxvii. O Humanitismo
cxviii. A terceira força
cxix. Parêntesis
cxx. Compelle intrare
cxxi. Morro abaixo
cxxii. Uma intenção mui fina
cxxiii. O verdadeiro Cotrim
cxxiv. Vá de intermédio
cxxv. Epitáfio
cxxvi. Desconsolação
cxxvii. Formalidade
cxxviii. Na Câmara
cxxix. Sem remorsos
cxxx. Para intercalar no capítulo cxxix
cxxxi. De uma calúnia
cxxxii. Que não é sério
cxxxiii. O princípio de Helvetius
cxxxiv. Cinquenta anos
cxxxv. Oblivion
cxxxvi Inutilidade
cxxxvii. A barretina
cxxxviii. A um crítico
cxxxix. De como não fui ministro d’Estado
cxl. Que explica o anterior
cxli. Os cães
cxlii. O pedido secreto
cxliii. Não vou
cxliv. Utilidade relativa
cxlv. Simples repetição
cxlvi. O programa
cxlvii. O desatino
cxlviii. O problema insolúvel
cxlix. Teoria do benefício
cl. Rotação e translação
cli. Filosofia dos epitáfios
clii. A moeda de Vespasiano
cliii. O alienista
cliv. Os navios do Pireu
clv. Reflexão cordial
clvi. Orgulho da servilidade
clvii. Fase brilhante
clviii. Dous encontros
clix. A semidemência
clx. Das negativas

Cronologia

Outras leituras

 

Trecho da obra Memórias póstumas de Brás Cubas

Ao leitor

Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna.³ O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Trata‑se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevi‑a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual; ei‑lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.

Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O melhor prólogo é o que contém menos cousas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago‑me da tarefa; se te não agradar, pago‑te com um piparote, e adeus.

Brás Cubas

 

Nota ³: No prefácio da segunda edição (1853) de sua obra De l’amour (1822), escrito em 1834, Stendhal (1783‑1842) diz ter escrito o livro para cem leitores.

 

I. Óbito do autor

Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.

Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta‑‑feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia — peneirava — uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um
daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova:

— Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.

Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. Viram‑me ir umas nove ou dez pessoas, entre elas três senhoras, minha irmã Sabina, casada com o Cotrim, a filha — um lírio do vale — e… Tenham paciência! Daqui a pouco lhes direi quem era a terceira senhora. Contentem‑se de saber que essa anônima, ainda que não parenta, padeceu mais do que as parentas. É verdade, padeceu mais. Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo
chão, convulsa. Nem o meu óbito era cousa altamente dramática… Um solteirão que expira aos sessenta e quatro anos não parece que reúna em si todos os elementos de uma tragédia. E dado que sim, o que menos convinha a essa anônima era aparentá‑lo. De pé, à cabeceira da cama, com os olhos estúpidos, a boca entreaberta, a triste senhora mal podia crer na minha extinção.

— Morto! morto! — dizia consigo.

E a imaginação dela, como as cegonhas que um ilustre viajante viu desferirem o voo desde o Ilisso às ribas africanas, sem embargo das ruínas e dos tempos — a imaginação dessa senhora também voou por sobre os destroços presentes até às ribas de uma África juvenil… Deixá‑la ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quando eu me restituir aos primeiros anos. Agora, quero morrer tranquilamente, metodicamente, ouvindo os soluços das damas, as falas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão da chácara, e o som estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando lá fora, à porta de um correeiro. Juro‑lhes que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava‑me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía‑se‑me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia‑se‑me planta, e pedra, e lodo, e cousa nenhuma.

Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que foi menos a pneumonia, do que uma ideia grandiosa e útil, a causa da minha morte, é possível que o leitor me não creia, e todavia é verdade. Vou expor‑lhe sumariamente o caso. Julgue‑o por si mesmo.

 

Nota ⁴: O narrador alude ao ato iii, cena i da peça Hamlet, de William Shakespeare: “The undiscovered country, from whose bourn/ No traveller returns” [O país misterioso de cujas fronteiras nenhum viajante retorna].
Nota ⁵: As cegonhas do Ilisso figuram no livro Itinerário de Paris a Jerusalém (1811), de Chateaubriand. A viagem das cegonhas consta no primeiro capítulo, “Viagem à Grécia”, e também no canto xv de sua obra Os mártires. Na Grécia antiga, o Ilisso era um rio divinizado, na região da Ática, que atravessava a cidade de Atenas e desaguava no golfo Sarônico, ao sul do Pireu.

 

II. O emplasto

Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou‑se‑me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim, que é impossível crer. Eu deixei‑me estar a contemplá‑la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra‑me ou devoro‑te.

Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti‑hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade. Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas. Para que negá‑lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis. Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: — amor da glória.

Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a cousa mais verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua mais genuína feição.

Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto.

 

Resenha/Comentário sobre Memórias póstumas de Brás Cubas


Por Tatiana Feltrin. (24/05/15)

 

Drummond rejeitava Machado de Assis. Ele não era o único.


O pesquisador Hélio de Seixas Guimarães, da FFLCH-USP, lê trechos de obras de Drummond, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa e comenta como os autores receberam a obra de Machado de Assis, romancista central na tradição literária brasileira. Canal Pesquisa Fapesp (25/11/19).

 

AUDIOLIVRO: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis


Canal ibamendes.

 

Além de Memórias póstumas de Brás Cubas, a Companhia das Letras e a Penguin editaram também outro clássico da literatura ocidental: Ilíada, de Homero.

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“Sentimento do mundo”, de Carlos Drummond de Andrade https://quarentena.org/indicacoes/sentimento-do-mundo-drummond-cia-letras/ https://quarentena.org/indicacoes/sentimento-do-mundo-drummond-cia-letras/#respond Tue, 14 Apr 2020 03:13:48 +0000 https://quarentena.org/?post_type=product&p=5224 Sentimento do mundo é a obra em que o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade traz um olhar cuidadoso para temáticas políticas e sociais de seu tempo. Afinal, durante sua elaboração o Brasil vivia a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas e a Europa observava a assustadora ascensão nazi-fascista.]]>

Apresentação de Sentimento do Mundo

Publicado em 1940, Sentimento do mundo permanece, tantos anos depois, ainda um dos livros mais celebrados da carreira de Carlos Drummond de Andrade. Não é para menos: o livro enfileira poemas clássicos como “Sentimento do mundo”“Confidência do Itabirano”“Poema da necessidade” – é possível que versos do livro inteiro tenham sido impressos no inconsciente literário brasileiro, tamanha é sua repercussão até hoje.

Já estabelecido no Rio e observando o mundo (e a si mesmo) de uma perspectiva urbana, o Drummond de Sentimento do mundo oscila entre diversos polos: cidade x interior, atualidade x memórias, eu x mundo. Perfeita depuração dos livros anteriores, este é um verdadeiro marco – e como se isso não bastasse, é o livro que prepara o terreno para nada menos do que A rosa do povo (1945). Por isso a ênfase, ao longo de todo o livro, na vida presente.

A editora disponibiliza os cinco primeiros poemas como degustação em pdf, mas você também poderá lê-los abaixo ou na aba “Trecho da Obra”.

 

Índice / Sumário do livro / Lista dos poemas

  1. “Sentimento do Mundo”
  2. “Confidência do Itabirano”
  3. “Poema da Necessidade”
  4. “Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte”
  5. “Tristeza do Império”
  6. “O Operário no Mar”
  7. “Menino Chorando na Noite”
  8. “Morro da Babilônia”
  9. “Congresso Internacional do Medo”
  10. “Os Mortos de Sobrecasaca”
  11. “Brinde no Juízo Final”
  12. “Privilégio do Mar”
  13. “Inocentes do Leblon”
  14. “Canção de Berço”
  15. “Indecisão do Méier”
  16. “Bolero de Ravel”
  17. “La Possession du Monde”
  18. “Ode no Cinquentenário do Poeta Brasileiro”
  19. “Os Ombros Suportam o Mundo”
  20. “Mãos Dadas”
  21. “Dentaduras Duplas”
  22. “Revelação do Subúrbio”
  23. “A Noite Dissolve os Homens”
  24. “Madrigal Lúgubre”
  25. “Lembrança do Mundo Antigo”
  26. “Elegia 1938”
  27. “Mundo Grande”
  28. “Noturno à Janela do Apartamento”

Posfácio

“Desejo de transformação”. por Murilo Marcondes de Moura.

 

Trecho da obra Sentimento do Mundo

1. Sentimento do mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite

 

2. Confidência do itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa…

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

 

3. Poema da necessidade

É preciso casar João,
é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades,
é preciso substituir nós todos.

É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.

É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbedo,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.

É preciso viver com os homens,
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar o FIM DO MUNDO.

 

4. Canção da moça-fantasma de belo horizonte

Eu sou a Moça-Fantasma
que espera na Rua do Chumbo
o carro da madrugada.
Eu sou branca e longa e fria,
a minha carne é um suspiro
na madrugada da serra.
Eu sou a Moça-Fantasma.
O meu nome era Maria,
Maria-Que-Morreu-Antes.

Sou a vossa namorada
que morreu de apendicite,
no desastre de automóvel
ou suicidou-se na praia
e seus cabelos ficaram
longos na vossa lembrança.
Eu nunca fui deste mundo:
Se beijava, minha boca
dizia de outros planetas
em que os amantes se queimam
num fogo casto e se tornam
estrelas, sem ironia.

Morri sem ter tido tempo
de ser vossa, como as outras.
Não me conformo com isso,
e quando as polícias dormem
em mim e fora de mim,
meu espectro itinerante
desce a Serra do Curral,
vai olhando as casas novas,
ronda as hortas amorosas
(Rua Cláudio Manuel da Costa),
para no Abrigo Ceará,
não há abrigo. Um perfume
que não conheço me invade:
é o cheiro do vosso sono
quente, doce, enrodilhado
nos braços das espanholas…
Oh! deixai-me dormir convosco.

E vai, como não encontro
nenhum dos meus namorados,
que as francesas conquistaram,
e que beberam todo o uísque
existente no Brasil
(agora dormem embriagados),
espreito os carros que passam
com choferes que não suspeitam
de minha brancura e fogem.
Os tímidos guardas-civis,
coitados! um quis me prender.
Abri-lhe os braços… Incrédulo,
me apalpou. Não tinha carne
e por cima do vestido
e por baixo do vestido
era a mesma ausência branca,
um só desespero branco…
Podeis ver: o que era corpo
foi comido pelo gato.

As moças que ainda estão vivas
(hão de morrer, ficai certos)
têm medo que eu apareça
e lhes puxe a perna… Engano.
Eu fui moça, serei moça
deserta, per omnia saecula.
Não quero saber de moças.
Mas os moços me perturbam.

Não sei como libertar-me.
Se o fantasma não sofresse,
se eles ainda me gostassem
e o espiritismo consentisse,
mas eu sei que é proibido,
vós sois carne, eu sou vapor.
Um vapor que se dissolve
quando o sol rompe na Serra.

Agora estou consolada,
disse tudo que queria,
subirei àquela nuvem,
serei lâmina gelada,
cintilarei sobre os homens.
Meu reflexo na piscina
da Avenida Paraúna
(estrelas não se compreendem),
ninguém o compreenderá.

 

5. Tristeza do império

Os conselheiros angustiados
ante o colo ebúrneo
das donzelas opulentas
que ao piano abemolavam
“bus-co a cam-pi-na se-re-na
pa-ra li-vre sus-pi-rar”
esqueciam a guerra do Paraguai,
o enfado bolorento de São Cristóvão,
a dor cada vez mais forte dos negros
e sorvendo mecânicos
uma pitada de rapé
sonhavam a futura libertação dos instintos
e ninhos de amor a serem instalados nos arranha-céus de Copacabana, com rádio e telefone automático.

 

[FUVEST | UNICAMP #6] Sentimento do Mundo (Carlos Drummond de Andrade) + áudio Sentimento do Mundo


Canal do YouTube de tatianagfeltrin.

Maria Bethânia, Arnaldo Antunes e José Miguel Wisnik sobre Carlos Drummond de Andrade


Programa produzido pel o Canal Arte1.

Poemas de Carlos Drummond de Andrade declamados por outras pessoas


Canal do YouTube Caio T.

Vida e obra de Carlos Drummond de Andrade através de entrevistas


Programa produzido pela TV Cultura.

 

Você pode se interessar também pelos seguintes livros de Drummond:

“70 Historinhas”, de Carlos Drummond de Andrade

Caminhos de João Brandão”, de Carlos Drummond de Andrade

Os dias lindos“, de Carlos Drummond de Andrade

Fala, Amendoeira“, de Carlos Drummond de Andrade

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