Poesia – Quarentena https://quarentena.org Curta sua casa: Indicamos produtos e serviços pagos e gratuitos pra que você aproveite melhor sua casa. :) Sun, 16 Jun 2024 14:07:24 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.5 https://quarentena.org/wp-content/uploads/2020/04/cropped-logo2_quarentena_512x512px-1-32x32.png Poesia – Quarentena https://quarentena.org 32 32 “A rosa do povo”, de Carlos Drummond de Andrade https://quarentena.org/indicacoes/a-rosa-do-povo-de-carlos-drummond-de-andrade/ https://quarentena.org/indicacoes/a-rosa-do-povo-de-carlos-drummond-de-andrade/#respond Fri, 08 May 2020 02:00:21 +0000 https://quarentena.org/?post_type=product&p=5844 A rosa do povo é um livro de poemas de Carlos Drummond de Andrade que fala da guerra e dos afetos, do passado familiar e da experiência de viver no Rio de Janeiro. Além de especular sobre o lirismo em tempos sombrios, este livro estabeleceu, definitivamente, a figura do poeta mineiro no panorama da melhor poesia de língua portuguesa no século XX.]]> Apresentação

Publicado em 1945, A rosa do povo é o livro politicamente mais explícito de Carlos Drummond de Andrade. É um poderoso olhar sobre a Segunda Guerra, a cisão ideológica, a vida nas cidades, o amor e a morte.

Tudo isso é observado a partir daquela que então era a capital do país. O Rio de Janeiro, nossa primeira grande cidade cosmopolita, ocupa uma posição privilegiada nos poemas, a ponto de muitos críticos compararem a visão de cidade expressa pelo autor mineiro àquela de Charles Baudelaire (1821-1867), o poeta francês que foi o primeiro grande cantor da experiência urbana. Pois é escrevendo a partir desse Rio de Janeiro que se urbanizava freneticamente, dando as costas ao passado, que Drummond fala da guerra e de seus desdobramentos no continente europeu e presta seu tributo aos milhões de civis que pereceram no conflito, além de refletir sobre a própria possibilidade de expressar todos esses acontecimentos em verso.

Formalmente falando, A rosa do povo é um livro que pertence ao alto modernismo, em que Drummond experimenta o verso espraiado à maneira de Walt Whitman, ironiza o passado literário brasileiro e exercita as mais diversas formas e dicções nos cinquenta e cinco poemas reunidos no volume.

Com sua beleza e profundidade, A rosa do povo traz um Drummond de vasto escopo temático. A personalidade do poeta, a família, o cotidiano e a História comparecem com inaudita força neste livro. Trata-se de um testemunho de suas ideias e afetos num momento da vida em que experimentava a maturidade e já começava a olhar para o passado enquanto captava, como poucos autores, os sinais confusos de seu próprio tempo.

A editora disponibiliza os 3 primeiros poemas do livro como degustação em pdf, mas você também poderá lê-los abaixo ou na aba “Trecho da Obra”.

 

Índice / Sumário do livro / Lista dos poemas

    1. Consideração do poema
    2. Procura da poesia
    3. A flor e a náusea
    4. Carrego comigo
    5. Anoitecer
    6. O medo
    7. Nosso tempo
    8. Passagem do ano
    9. Passagem da noite
    10. Uma hora e mais outra
    11. Nos áureos tempos
    12. Rola mundo
    13. Áporo
    14. Ontem
    15. Fragilidade
    16. O poeta escolhe seu túmulo
    17. Vida menor
    18. Campo, chinês e sono
    19. Episódio
    20. Nova canção do exílio
    21. Economia dos mares terrestres
    22. Equívoco
    23. Movimento da espada
    24. Assalto
    25. Anúncio da rosa
    26. Edifício São Borja
    27. O mito
    28. Resíduo
    29. Caso do vestido
    30. O elefante
    31. Morte do leiteiro
    32. Noite na repartição
    33. Morte no avião
    34. Desfile
    35. Consolo na praia
    36. Retrato de família
    37. Interpretação de dezembro
    38. Como um presente
    39. Rua da madrugada
    40. Idade madura
    41. Versos à boca da noite
    42. No país dos Andrades
    43. Notícias
    44. América
    45. Cidade prevista
    46. Carta a Stalingrado
    47. Telegrama de Moscou
    48. Mas viveremos
    49. Visão 1944
    50. Com o russo em Berlim
    51. Indicações
    52. Onde há pouco falávamos
    53. Os últimos dias
    54. Mário de Andrade desce aos infernos
    55. Canto ao homem do povo Charlie Chaplin

Posfácio:
A rosa, o povo, Antonio Carlos Secchin

Leituras recomendadas
Cronologia
Crédito das imagens
Índice de primeiros versos

 

Trecho da obra

Consideração do poema

Não rimarei a palavra sono
com a incorrespondente palavra outono.
Rimarei com a palavra carne
ou qualquer outra, que todas me convêm.
As palavras não nascem amarradas,
elas saltam, se beijam, se dissolvem,
no céu livre por vezes um desenho,
são puras, largas, autênticas, indevassáveis.

Uma pedra no meio do caminho
ou apenas um rastro, não importa.
Estes poetas são meus. De todo o orgulho,
de toda a precisão se incorporaram
ao fatal meu lado esquerdo. Furto a Vinicius
sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo.
Que Neruda me dê sua gravata
chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus, Maiakovski.
São todos meus irmãos, não são jornais
nem deslizar de lancha entre camélias:
é toda a minha vida que joguei.

Estes poemas são meus. É minha terra
e é ainda mais do que ela. É qualquer homem
ao meio-dia em qualquer praça. É a lanterna
em qualquer estalagem, se ainda as há.
— Há mortos? há mercados? há doenças?
É tudo meu. Ser explosivo, sem fronteiras,
por que falsa mesquinhez me rasgaria?
Que se depositem os beijos na face branca, nas principiantes rugas.
O beijo ainda é um sinal, perdido embora,
da ausência de comércio,
boiando em tempos sujos.

Poeta do finito e da matéria,
cantor sem piedade, sim, sem frágeis lágrimas,
boca tão seca, mas ardor tão casto.
Dar tudo pela presença dos longínquos,
sentir que há ecos, poucos, mas cristal,
não rocha apenas, peixes circulando
sob o navio que leva esta mensagem,
e aves de bico longo conferindo
sua derrota, e dois ou três faróis,
últimos! esperança do mar negro.
Essa viagem é mortal, e começá-la.
Saber que há tudo. E mover-se em meio
a milhões e milhões de formas raras,
secretas, duras. Eis aí meu canto.

Ele é tão baixo que sequer o escuta
ouvido rente ao chão. Mas é tão alto
que as pedras o absorvem. Está na mesa
aberta em livros, cartas e remédios.
Na parede infiltrou-se. O bonde, a rua,
o uniforme de colégio se transformam,
são ondas de carinho te envolvendo.

Como fugir ao mínimo objeto
ou recusar-se ao grande? Os temas passam,
eu sei que passarão, mas tu resistes,
e cresces como fogo, como casa,
como orvalho entre dedos,
na grama, que repousam.

Já agora te sigo a toda parte,
e te desejo e te perco, estou completo,
me destino, me faço tão sublime,
tão natural e cheio de segredos,
tão firme, tão fiel… Tal uma lâmina,
o povo, meu poema, te atravessa.

 

Procura da poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito,
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

 

A flor e a náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

 

“A rosa do povo” nos vestibulares:

2020

Universidade Federal de Uberlândia

2021

Universidade Federal de Uberlândia

2022

Universidade Federal de Uberlândia

 

Vídeos

Simpósio A Rosa do Povo (Playlist de 7 vídeos)


Programa produzido pelo UNIVESP (24/03/20).

 

Maria Bethânia, Arnaldo Antunes e José Miguel Wisnik sobre Drummond


Programa produzido pelo Canal Arte1 (24/03/20).

 

Poemas de Drummond declamados por outras pessoas


Canal do YouTube Caio T.

 

Vida e obra de Drummond através de entrevistas


Programa produzido pela TV Cultura.

 

Obras de Carlos Drummond de Andrade

Poesia/Crônica

Alguma Poesia (1930)
Brejo das Almas (1934)
Sentimento do Mundo (1940)
José (1942)
A Rosa do Povo (1945)
Novos Poemas (1948)
Claro Enigma (1951)
Fazendeiro do Ar (1954)
Viola de Bolso (1955)
A Vida Passada a Limpo (1959)
Lição de Coisas (1962)
Versiprosa (1967)
Boitempo (1968)
A Falta que Ama (1968)
Nudez (1968)
As Impurezas do Branco (1973)
Menino Antigo (Boitempo II) (1973)
A Visita (1977)
Discurso de Primavera e Algumas Sombras (1977)
O marginal Clorindo Gato (1978)
Esquecer para Lembrar (Boitempo III) (1979)
A Paixão Medida (1980)
Caso do Vestido (1983)
Corpo (1984)
Eu, Etiqueta (1984)
Amar se Aprende Amando (1985)
Poesia Errante (1988)
O Amor Natural (1992)
Farewell (1996)
Os Ombros Suportam o Mundo (1935)
Futebol a Arte (1970)
Naróta do Coxordão (1971)
Da Utilidade dos Animais
Elegia (1938)

Antologia poética

Poesia até Agora (1948)
A Última Pedra no meu Caminho (1950)
50 Poemas Escolhidos pelo Autor (1956)
Antologia Poética (1962)
Seleta em Prosa e Verso (1971)
Amor, Amores (1975)
Carmina Drummondiana (1982)
Boitempo I e Boitempo II (1987)
Minha Morte (1987)

Infantis

O Elefante (1983)
História de Dois Amores (1985)
O Pintinho (1988)
Rick e a Girafa[14]

Prosa

Confissões de Minas (1944)
Contos de Aprendiz (1951)
Passeios na Ilha (1952)
Fala, Amendoeira (1957)
A Bolsa & a Vida (1962)
A Minha Vida (1964)
Cadeira de Balanço (1966)
Caminhos de João Brandão (1970)
O Poder Ultrajovem e mais 79 Textos em Prosa e Verso (1972)
De Notícias & Não-notícias Faz-se a Crônica (1974)
Os dias lindos (1977)
70 Historinhas (1978)
Contos Plausíveis (1981)
Boca de Luar (1984)
O Observador no Escritório (1985)
Tempo Vida Poesia (1986)
Moça Deitada na Grama (1987)
O Avesso das Coisas (1988)
Auto-retrato e Outras Crônicas (1989)
As Histórias das Muralhas (1989)

 

Detalhes do e-book

  • Formato: eBook Kindle/Amazon
  • Tamanho do arquivo: 2000 KB
  • Selo: Companhia das Letras (18 de fevereiro de 2012)
  • Editora: Companhia das Letras
  • Número de páginas: 238 páginas
  • Idioma: Português
  • ASIN: B009OR2TEU

Detalhes do livro físico

  • Formato: brochura. Amazon
  • Dimensões: 13,70 X 21,00 cm
  • Peso líquido: 0,253 kg
  • Número de páginas:  200 páginas
  • Capa: Warrak Loureiro
  • Selo: Companhia das Letras (05 de março de 2012)
  • Editora: Companhia das Letras
  • ISBN-10: 8535921184
  • ISBN-13: 978-8535920277
  • Idioma: Português
  • ISBN-13: 9788535920277

 

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“Sentimento do mundo”, de Carlos Drummond de Andrade https://quarentena.org/indicacoes/sentimento-do-mundo-drummond-cia-letras/ https://quarentena.org/indicacoes/sentimento-do-mundo-drummond-cia-letras/#respond Tue, 14 Apr 2020 03:13:48 +0000 https://quarentena.org/?post_type=product&p=5224 Sentimento do mundo é a obra em que o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade traz um olhar cuidadoso para temáticas políticas e sociais de seu tempo. Afinal, durante sua elaboração o Brasil vivia a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas e a Europa observava a assustadora ascensão nazi-fascista.]]>

Apresentação de Sentimento do Mundo

Publicado em 1940, Sentimento do mundo permanece, tantos anos depois, ainda um dos livros mais celebrados da carreira de Carlos Drummond de Andrade. Não é para menos: o livro enfileira poemas clássicos como “Sentimento do mundo”“Confidência do Itabirano”“Poema da necessidade” – é possível que versos do livro inteiro tenham sido impressos no inconsciente literário brasileiro, tamanha é sua repercussão até hoje.

Já estabelecido no Rio e observando o mundo (e a si mesmo) de uma perspectiva urbana, o Drummond de Sentimento do mundo oscila entre diversos polos: cidade x interior, atualidade x memórias, eu x mundo. Perfeita depuração dos livros anteriores, este é um verdadeiro marco – e como se isso não bastasse, é o livro que prepara o terreno para nada menos do que A rosa do povo (1945). Por isso a ênfase, ao longo de todo o livro, na vida presente.

A editora disponibiliza os cinco primeiros poemas como degustação em pdf, mas você também poderá lê-los abaixo ou na aba “Trecho da Obra”.

 

Índice / Sumário do livro / Lista dos poemas

  1. “Sentimento do Mundo”
  2. “Confidência do Itabirano”
  3. “Poema da Necessidade”
  4. “Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte”
  5. “Tristeza do Império”
  6. “O Operário no Mar”
  7. “Menino Chorando na Noite”
  8. “Morro da Babilônia”
  9. “Congresso Internacional do Medo”
  10. “Os Mortos de Sobrecasaca”
  11. “Brinde no Juízo Final”
  12. “Privilégio do Mar”
  13. “Inocentes do Leblon”
  14. “Canção de Berço”
  15. “Indecisão do Méier”
  16. “Bolero de Ravel”
  17. “La Possession du Monde”
  18. “Ode no Cinquentenário do Poeta Brasileiro”
  19. “Os Ombros Suportam o Mundo”
  20. “Mãos Dadas”
  21. “Dentaduras Duplas”
  22. “Revelação do Subúrbio”
  23. “A Noite Dissolve os Homens”
  24. “Madrigal Lúgubre”
  25. “Lembrança do Mundo Antigo”
  26. “Elegia 1938”
  27. “Mundo Grande”
  28. “Noturno à Janela do Apartamento”

Posfácio

“Desejo de transformação”. por Murilo Marcondes de Moura.

 

Trecho da obra Sentimento do Mundo

1. Sentimento do mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite

 

2. Confidência do itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa…

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

 

3. Poema da necessidade

É preciso casar João,
é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades,
é preciso substituir nós todos.

É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.

É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbedo,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.

É preciso viver com os homens,
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar o FIM DO MUNDO.

 

4. Canção da moça-fantasma de belo horizonte

Eu sou a Moça-Fantasma
que espera na Rua do Chumbo
o carro da madrugada.
Eu sou branca e longa e fria,
a minha carne é um suspiro
na madrugada da serra.
Eu sou a Moça-Fantasma.
O meu nome era Maria,
Maria-Que-Morreu-Antes.

Sou a vossa namorada
que morreu de apendicite,
no desastre de automóvel
ou suicidou-se na praia
e seus cabelos ficaram
longos na vossa lembrança.
Eu nunca fui deste mundo:
Se beijava, minha boca
dizia de outros planetas
em que os amantes se queimam
num fogo casto e se tornam
estrelas, sem ironia.

Morri sem ter tido tempo
de ser vossa, como as outras.
Não me conformo com isso,
e quando as polícias dormem
em mim e fora de mim,
meu espectro itinerante
desce a Serra do Curral,
vai olhando as casas novas,
ronda as hortas amorosas
(Rua Cláudio Manuel da Costa),
para no Abrigo Ceará,
não há abrigo. Um perfume
que não conheço me invade:
é o cheiro do vosso sono
quente, doce, enrodilhado
nos braços das espanholas…
Oh! deixai-me dormir convosco.

E vai, como não encontro
nenhum dos meus namorados,
que as francesas conquistaram,
e que beberam todo o uísque
existente no Brasil
(agora dormem embriagados),
espreito os carros que passam
com choferes que não suspeitam
de minha brancura e fogem.
Os tímidos guardas-civis,
coitados! um quis me prender.
Abri-lhe os braços… Incrédulo,
me apalpou. Não tinha carne
e por cima do vestido
e por baixo do vestido
era a mesma ausência branca,
um só desespero branco…
Podeis ver: o que era corpo
foi comido pelo gato.

As moças que ainda estão vivas
(hão de morrer, ficai certos)
têm medo que eu apareça
e lhes puxe a perna… Engano.
Eu fui moça, serei moça
deserta, per omnia saecula.
Não quero saber de moças.
Mas os moços me perturbam.

Não sei como libertar-me.
Se o fantasma não sofresse,
se eles ainda me gostassem
e o espiritismo consentisse,
mas eu sei que é proibido,
vós sois carne, eu sou vapor.
Um vapor que se dissolve
quando o sol rompe na Serra.

Agora estou consolada,
disse tudo que queria,
subirei àquela nuvem,
serei lâmina gelada,
cintilarei sobre os homens.
Meu reflexo na piscina
da Avenida Paraúna
(estrelas não se compreendem),
ninguém o compreenderá.

 

5. Tristeza do império

Os conselheiros angustiados
ante o colo ebúrneo
das donzelas opulentas
que ao piano abemolavam
“bus-co a cam-pi-na se-re-na
pa-ra li-vre sus-pi-rar”
esqueciam a guerra do Paraguai,
o enfado bolorento de São Cristóvão,
a dor cada vez mais forte dos negros
e sorvendo mecânicos
uma pitada de rapé
sonhavam a futura libertação dos instintos
e ninhos de amor a serem instalados nos arranha-céus de Copacabana, com rádio e telefone automático.

 

[FUVEST | UNICAMP #6] Sentimento do Mundo (Carlos Drummond de Andrade) + áudio Sentimento do Mundo


Canal do YouTube de tatianagfeltrin.

Maria Bethânia, Arnaldo Antunes e José Miguel Wisnik sobre Carlos Drummond de Andrade


Programa produzido pel o Canal Arte1.

Poemas de Carlos Drummond de Andrade declamados por outras pessoas


Canal do YouTube Caio T.

Vida e obra de Carlos Drummond de Andrade através de entrevistas


Programa produzido pela TV Cultura.

 

Você pode se interessar também pelos seguintes livros de Drummond:

“70 Historinhas”, de Carlos Drummond de Andrade

Caminhos de João Brandão”, de Carlos Drummond de Andrade

Os dias lindos“, de Carlos Drummond de Andrade

Fala, Amendoeira“, de Carlos Drummond de Andrade

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